uma letra de uma música pode construir um alfabeto inesperado. daqueles alfabetos que não escrevem senão o silêncio do amor. o amor que se prolonga e acaba no mesmo coração. quando poderia começar num e acabar noutro. ou não acabar. se não acabasse era, de facto, amor. a eternidade que se esqueceu de ser eterna e perdeu-se na voz da elis regina. parou e esperou pelo refrão. mas o refrão nunca chegou. os alfabetos também têm um fim. não gosto de fins.
és flores quebradas. és lábios intactos. és escrita interdita pelo frio nas mãos frias. és a música mais triste das músicas do mundo. és a repetição calculada daquela melodia. és interrupção daquela melodia. não carregas nas mãos as flores ou a palavra que perdoa. carregas a certeza de que não constróis estrada paralela à minha. carregas um novo espaço para preencher sem a tua memória. sem ti, mas comigo. comigo, velha e cansada. comigo, a iniciar parágrafos de letras transparentes. comigo, a olhar para trás e a instalar ausências. és flores quebradas, sem pétalas de possível amor.
olho para cima. queimam-se as pontas do sonho. torna-se fogo. olho para cima. chuviscam cinzas de rasto cadente. olho para cima. o meu sonho é cadente. e tu não o ergueste.
oh, meu bem-amado quero fazer-te um juramento uma canção eu prometo, por toda a minha vida ser somente tua e amar-te como nunca ninguém jamais amou, ninguém meu bem-amado estrela pura aparecida eu te amo e te proclamo o meu amor o meu amor maior que tudo quanto existe oh, meu amor.
por toda a minha vida, cantado por ellis regina, escrito por tom jobim e vinícius de moraes. fotograma de hable con ella.
quero pintar o meu diário de reflexos - contornados a linhas douradas, de ouro de sonhos rendados, desenhar como a minha tia, de pincel de vida numa mão e poesia na outra -, quero escrever como o zé luís - com o coração e com a caneta a fazer estremecer o mundo interior, com a caneta a abanar os mundos e os fundos, este mundo e o outro, aquele que não conheço ou nunca pude conhecer, quero escrever palavras que não conheço e chegar ao fundo de mim, ao fundo dos outros -, quero tirar fotografias com a memória, quero fotografar como a francisquinha, quero fotografar com a francisquinha - com pormenores e pormaiores alternativos ao óbvio que não é bonito -, quero aprender a ver para além de,para lá de,para muito longe de!, quero abraçar a rejeição e rir-me dela, fazer-lhe trocas e baldrocas, confundi-la e dizer-lhe que não me apanhará mais num nevoeiro de inocência - sim, porque sou inocente, tu disseste que eu era inocente e por isso chorava, chorava muito e doía muito andar por aqui a fingir que não sou uma menina pequenina perdida num labirinto de jogos em que todos me lançam os dados. eu não quero jogar mais, não acredito na sorte, acredito na certeza. não quero guardar a felicidade em pequenos compartimentos, armazenar momentos felizes. não acredito. acredito na alegria longa. e sabes porquê? a alegria-fósforo faz explodir o coração-bomba e ninguém apanha os cacos senão eu. mas agora já não há cola que cole este coração.
[as palavras ardem, as palavras estão a arder. também tu arderás].