quinta-feira, 27 de abril de 2006

da primeira vista.


creio que foi o sorriso,

o sorriso foi quem abriu a porta.
era um sorriso com muita luz

lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu[a] dentro daquele sorriso.

correr, navegar, morrer naquele sorriso.*


sim. acho que foi isso mesmo.
um sorriso. o sorriso.

*eugénio de andrade.
fotograma de la frontière de l'aube.

quarta-feira, 26 de abril de 2006

she's a maniac.*



cinco manias:


.da perseguição.

.de sublinhar as palavras, as frases, os livros que alimentam os olhos, o coração e o corpo.


.de escrever a meia-luz, falar a meia-luz, beijar a meia-luz, viver a meia-luz.

.do toque. experimentar com o toque, conhecer pelo toque e gostar através do toque.

.de guardar tudo e todos em mim. de fazer colagens em cadernos-memória desses tudos e desses todos.

*fotograma de eternal sunshine of the spotless mind.

domingo, 23 de abril de 2006

amor a cinquenta.



perguntaste-me se procurava o amor.
sim, procuro o amor.
e, por vezes, a procura é tão voraz, tão alarve, que acabo por me esquecer de mim nos meandros de paixões acendidas por desejos-rastilho menos sensatos.
mas [há sempre o contraste entre o que se constata agora ou em dias passados], sabes que sei quando um grande amor, um amor não [re]buscado, não procurado, mal encontrado, surge e me cala a respiração de forma abrupta e eficaz. surge e asfixia a vida.
sim, antevejo um final infeliz - ils ne se marièrent pas et n'eurent beaucoup d'enfants -, um final pouco cor-de-rosa, a roçar o cinzento, a côr que não é e não deixa de ser.
sabes? também eu queria queimar a amargura, perdê-la de vez no incêndio da alma velha e cansada, corpo gasto e retalhado.
também eu queria amaciar a aspereza, alisar as rugas do abandono, os relevos da dor e do desamor.


o que me fazia chorar eram as coisas. apesar de não ter nenhum desgosto. e quando dava por mim a chorar, sem causa aparente, é porque tinha visto qualquer coisa sem querer.

[samuel beckett, primeiro amor].

sábado, 22 de abril de 2006

devine combien je t'aime.



gosto de ti esta altura toda, diz a pequena lebre castanha esticando-se muito.

e eu gosto de ti esta altura toda, responde a grande lebre castanha esticando-se ainda mais.

gosto de ti até à lua, diz a pequena lebre castanha.*



por sentir que a minha altura se assemelha às minhas palavras.
porque não chegam. não alcançam. porque se voam muito alto, logo se quebram no chão do esquecimento.

*[sam mcbratney, adivinha quanto eu gosto de ti].
imagem de anita jeram.

terça-feira, 11 de abril de 2006