domingo, 23 de abril de 2006

amor a cinquenta.



perguntaste-me se procurava o amor.
sim, procuro o amor.
e, por vezes, a procura é tão voraz, tão alarve, que acabo por me esquecer de mim nos meandros de paixões acendidas por desejos-rastilho menos sensatos.
mas [há sempre o contraste entre o que se constata agora ou em dias passados], sabes que sei quando um grande amor, um amor não [re]buscado, não procurado, mal encontrado, surge e me cala a respiração de forma abrupta e eficaz. surge e asfixia a vida.
sim, antevejo um final infeliz - ils ne se marièrent pas et n'eurent beaucoup d'enfants -, um final pouco cor-de-rosa, a roçar o cinzento, a côr que não é e não deixa de ser.
sabes? também eu queria queimar a amargura, perdê-la de vez no incêndio da alma velha e cansada, corpo gasto e retalhado.
também eu queria amaciar a aspereza, alisar as rugas do abandono, os relevos da dor e do desamor.


o que me fazia chorar eram as coisas. apesar de não ter nenhum desgosto. e quando dava por mim a chorar, sem causa aparente, é porque tinha visto qualquer coisa sem querer.

[samuel beckett, primeiro amor].

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