A casa.
Não é apenas por um acaso linguístico que Manuel António Pina, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos, equipara um sorriso — e um amor — a uma casa. Afinal, chegar a casa é isso mesmo: percorrer o caminho familiar que, serenamente, nos leva ao recanto do costume. É isso mesmo, e é muito mais: é descalçar o dia e pôr os pés em nós. Esticar os bocejos, abraçar os ensejos, despir a pele e desfazer os nós.
Por isso, quando falamos em casa para viver, não falamos só de uma casa. Da estrutura que se ergue para se fazer «domicílio, lar, morada, residência». Falamos de uma construção escrita ao abrigo do acordo fotográfico com a memória: um lugar onde se repetem as horas — e os anos — até que se façam rotinas — e efemérides.
Quando falamos em casa para viver, não falamos só de uma casa. Falamos da altura em que nos escondemos debaixo das mesas ou do dia em que saímos do armário. Falamos do dia em que passámos a ser um, dois, ou deixámos tudo isso para depois. Falamos do dia em que não dissemos nada e daquele em que fizemos tudo. Da vez em que só às paredes confessámos e da que da janela quase gritámos. Falamos da noite em que o sofá adormeceu um dia mau e da manhã em que a cama nos pareceu um plano bom.
Quando falamos em casa para viver, não falamos só de uma casa. Falamos da hora certa a que o sol cobre um canto ou daquela esquina que nos põe insistentemente num pranto. Falamos da sala onde coube sempre mais um, da mesa que se estica para um festim, de uma porta que abre assim, de uma gaveta que fecha assado, do truque para não chiar e dos quadros que ficam sempre por pendurar.Quando falamos em casa para viver, gritamos por tudo — e por todos. Pelo amor que acabou, mas se vê obrigado a continuar, fazendo do dia uma eterna equação entre paredes subidas e divisões distribuídas; pela vida que acabou de começar, e mais parece estar quase sempre a acabar; pelo tempo que demoramos a ir e pelas horas que ansiamos até chegar; pela lição que se prepara para aprender (ou ensinar), mas que não tem sequer lugar onde se sentar; pela família que se quer adicionar, mas tanto tem de subtrair; ou pela vida que envelhece, e a cada dia mais estremece.
Quando falamos em casa para viver, não falamos só de nós. Nós daqui. Nós dacolá. Nós que viemos daqui para acolá ou dacolá para aqui.
Quando falamos em casa para viver, não falamos só de uma casa. Falamos de uma, de várias, de todas as vidas.
Dia 1 de Abril, lutamos por elas.

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