terça-feira, 22 de novembro de 2005

quarenta e nove.


nas manhãs esperadas, saía de casa - de olhos entreabertos para o mundo -, calcava a calçada suja, feita de rotina colada ao hábito e seguia para o número quarenta e nove.
dia seguido de dia, tocava na campainha branca, à espera que os olhos verdes-verdes subissem as escadas da casa-abrigo.
um dia, num amanhecer como os outros, o olhar acordou mais aberto. assustado. como se não pudesse fechar-se para o futuro instante. a calçada parecia-lhe menos regular e os passos aceleravam o prenúncio matinal.
ao soar estridente do toque branco, os olhos verdes-verdes não acordaram. do interior da cave, não surgia nada, senão o cheiro do medo, um odor moribundo e algumas certezas que não queria certas.
disseram-lhe: "os olhos verdes cederam aos inúmeros avisos. o mundo não cabia nela. ela não cabia no mundo, sabes? adormeceram ao som da morte."
ela sabia a inevitabilidade deste discurso. há muito que receava a chegada deste dia. que temia os dias em que os olhos verdes ficavam em casa, enrolados em mistério, dentro das paredes de um quarto.
fecharam-lhe a porta do quarenta e nove e a dúvida.
respirou, então, a ausência dos olhos verdes-verdes. respirou bem fundo a memória das manhãs madrugadoras, preguiçosas. respirou os fins-de-tarde [tardios], envoltos em exaustão. bocejantes.
fechou a porta e lembrou-se de como esta ausência era tão necessária como previsível.
fechou a porta e seguiu. de mãos dadas com a vida.

*fotografia d'aqui.

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